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Reconstruindo proteínas: a transformada de Fourier

  • Guilherme Armond e João Álvaro - 2ºMT
  • 6 de ago.
  • 5 min de leitura

Usando a transformada de Fourier e a criogenia para refinar imagens e descrever estruturas


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 (Soma infinita de senos formando uma “square wave”)


A transformada de Fourier, que consiste na decomposição de qualquer função periódica complexa em uma soma de funções senoidais e cossenoides simples, é de extrema importância para diversas áreas, como a espectroscopia, o processamento de sinais e, inclusive, a medicina. Nesse último caso, a transformada pode determinar o formato de proteínas com o uso da microscopia eletrônica criogênica (crio-EM), método que usa um feixe de elétrons que, após o contato com a proteína, redistribuem-se formando imagens das moléculas.


Estas, estando suspensas em gelo vítreo (congeladas de forma em que cristais desordenados não são formados), precisam da transformada de Fourier para terem sua imagem refinada, permitindo assim a reconstrução imagética da proteína e, assim, terem sua estrutura e composição projetadas tridimensionalmente, com maior precisão e fidelidade.



POR QUÊ?


A produção e o funcionamento de certos medicamentos estão diretamente ligados ao tipo de proteína sobre a qual a substância irá agir, e dependem da composição e formato das moléculas, isto é, de sua estrutura, para ter a função e eficácia desejadas.


No entanto, a descoberta da estrutura de proteínas se demonstra como um dos maiores desafios. Isso acontece principalmente pela dificuldade de observação e análise das moléculas proteicas, cujo tamanho e complexidade não permitem sua compreensão total quando se usa somente a luz visível. As proteínas, geralmente, possuem tamanho de 3 a 6 nanômetros. Essa característica não permite que elas sejam vistas usando a luz visível (400-700 nanômetros), criando uma barreira física que impede a observação dessas estruturas através de microscópios convencionais.



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Assim, a transformada de Fourier emerge como uma solução para superar essas limitações, através da transformação do formato de moléculas em imagens, por meio da microscopia eletrônica criogênica, para que estas sejam reconstruídas tridimensionalmente e, com isso, possam ser analisadas.


A TRANSFORMADA DE FOURIER



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A transformada de Fourier é uma função que recebe qualquer função periódica de intensidade (y) pelo tempo (x) e tem como resultado uma nova função, de intensidade (y) por frequência (x), a qual demonstra as diferentes sequências de frequência da função original, decompondo-as em somas infinitas de ondas senoidais ou cossenoides, cada uma com frequência, amplitude e fase (posição da onda no eixo x) específicas. Essas variáveis interferem de maneira construtiva e destrutiva consigo mesmas, e, ao serem agregadas, formam a função original. Este conceito, desenvolvido por Jean-Baptiste Joseph Fourier, tinha o objetivo de descrever a condução de calor (Lei de Fourier), mas viu seu uso espalhar-se para as mais diversas áreas, sendo uma ferramenta com aplicações para o encontro de frequências separadas originadas de um único conjunto de dados.


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Com o uso da transformada, um sinal, seja ele uma onda sonora (volume por tempo), uma imagem (brilho por pixel) ou, no caso da biologia estrutural, um padrão de difração eletrônica, pode ser dividido em seus componentes harmônicos fundamentais. Esta decomposição permite a análise de cada componente individual, como os átomos que formam a proteína, e, ao aplicar um processo contrário, a reconstrução da imagem original da molécula, que antes não era visível.



COMO? - A “CRIO-EM” E A REFINAÇÃO


O processo começa com a preparação das amostras, nas quais as proteínas são ordenadas e suspensas em uma fina camada de gelo vítreo, sendo mantidas em temperaturas criogênicas para que preservem sua organização e não tenham sua estrutura danificada quando receberem um feixe de elétrons.



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(Projeção de uma amostra, por meio do PET-Scan, antes da aplicação de Fourier e síntese da imagem em 3D)


Esse feixe de alta energia interage com a camada amostral de proteínas, provocando a dispersão dos elétrons que o compõem quando estes interagem com a densidade eletrônica das moléculas proteicas, sendo refratados pela amostra e distribuindo-se pelo espaço. Essa distribuição é captada por sensores, que formam uma imagem primária das ondas refletidas. Todavia, essa imagem é inicialmente desfocada e possui certas “impurezas”, advindas de desvios causados pelo método.


Para que seja refinada, aplica-se a transformada de Fourier, que facilita o processo de refinação ao separar todas as frequências da imagem em camadas menores. Então, pode-se identificar as pequenas falhas originais, que serão corrigidas e inseridas na função original. Com isso, faz-se a operação inversa para obter a imagem 2D da proteína, agora em alta qualidade. A reconstrução da estrutura 3D é feita através da integração de todas as projeções bidimensionais em um modelo volumétrico, que sintetiza a organização real da proteína analisada.



APLICAÇÕES DA “CRIO-EM”


A pandemia de COVID-19 demonstrou o impacto prático da microscopia eletrônica criogênica, pois a estrutura tridimensional da RNA-polimerase do SARS-CoV-2, enzima necessária para a duplicação do vírus, foi descoberta relativamente rápido e, com isso, tornou-se possível desenvolver medicamentos antivirais específicos para combater e inibir o vírus da Covid.

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 (Inibidores da polimerase do SARS-CoV-2, como o Remdesivir. Todos atuam inibindo o RdRp, as polimerases de RNA, assim impedindo a replicação do RNA viral.)







A compreensão detalhada da polimerase viral em nível atômico foi possível apenas através da imagem estrutural obtida por crio-EM. Ao analisar o formato e processo de síntese específicos do vírus da Covid, foi desenvolvido um novo medicamento, que impede a replicação viral. O “Remdesivir” funciona como um análogo à adenina, molécula presente no RNA viral que atua no processo de síntese e multiplicação do vírus. Porém, ao incluir uma ramificação não encontrada na adenina, o Remdesivir consegue substituir a molécula e causar a parada prematura da transcrição por “travar” a polimerase viral, ou seja, impedindo que a duplicação do vírus se completasse.



CONCLUSÃO


A transformada de Fourier, com sua aplicação na microscopia eletrônica criogênica, representa uma convergência notável entre a física das ondas, matemática complexa e aplicações na medicina. A capacidade de decompor sinais em ondas simples superou as limitações físicas fundamentais da própria luz visível. O sucesso na identificação da RNA polimerase do SARS-CoV-2 exemplifica como essa tecnologia pode acelerar dramaticamente a descoberta de medicamentos, e assim, salvar vidas em grande escala.



REFERÊNCIAS


[1] ELLAWAY, Joseph I. J. The Fourier Transform and Its Application to Structural Biology. STEMside, 2023. Disponível em: https://www.stemside.co.uk/post/the-fourier-transform-and-its-application-in-structural-biology-part-one. Acesso em: 03 ago. 2025.


[2] HILLEN, Hauke S. et al. Structure of replicating SARS-CoV-2 polymerase. Nature, 2020. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41586-020-2368-8#Sec2>. Acesso em: 03 ago. 2025. 


[3] WEBB, Rick et al. Cryo-Electron Microscopy. MyScope Microscopy Training, 2022. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41586-020-2368-8#Sec2>. Acesso em: 04 ago. 2025. 


[4] SANDERSON, Grant. But what is the Fourier Transform? A visual introduction. Youtube, 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=spUNpyF58BY>. Acesso em: 02 ago. 2025.


[5] BONIN, Olivier; SOON, Sam. What is CRYOEM?. Youtube, 2023. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qc2PbmI5qMw>. Acesso em: 03 ago. 2025.


[6] SWANSON, Jez. An Interactive Introduction to Fourier Transforms. Jezzamon, 2018. Disponível em: <https://www.jezzamon.com/fourier/>. Acesso em: 03 ago. 2025. 


[7] Remdesivir. Em: Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2025. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Remdesivir>. Acesso em: 04 ago. 2025.


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