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Escalas cósmicas: medindo o infinito

  • João Álvaro e Guilherme Armond MT
  • 19 de nov.
  • 6 min de leitura

Como se desenvolveram as escalas que hoje se utilizam para entender o vasto universo


Quando olhamos para o céu, à noite, uma pergunta fundamental surge em nossas mentes: quão distantes estão aquelas luzes brilhantes? Por milênios, a humanidade buscou responder a esse questionamento, desenvolvendo métodos cada vez mais sofisticados para medir o universo. Hoje, sabemos que o universo observável possui cerca de 93 bilhões de anos-luz de raio, uma distância tão vasta que desafia a compreensão humana. 


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Esse conhecimento só se tornou alcançável por meio de uma das construções científicas mais notáveis: a escala de distâncias cósmicas, também conhecida como "escada cósmica". Trata-se de uma série de métodos interconectados, onde cada técnica serve como base para a próxima, permitindo-nos medir distâncias progressivamente maiores. É uma história que atravessa civilizações e milênios, unindo mentes brilhantes desde a Grécia Antiga até os observatórios espaciais modernos.


ERATÓSTENES E O RAIO DA TERRA (c. 240 a.C.)


A história começa com Eratóstenes, um matemático grego que realizou uma das primeiras medições científicas da circunferência da Terra. Sua técnica era engenhosamente simples: ele observou que, ao meio-dia do solstício de verão, o Sol ficava diretamente sobre a cidade de Siena, não criando sombra alguma. Ao mesmo tempo, em Alexandria, os objetos ainda projetavam sombras.


Sabendo que Alexandria e Siena estavam aproximadamente alinhadas no eixo norte-sul e conhecendo a distância entre elas, cerca de 40,320 quilômetros, Eratóstenes mediu o ângulo das sombras em Alexandria, de aproximadamente 7,2°. Usando geometria, ele calculou que esse ângulo representava aproximadamente 1/50 da circunferência completa de 360 graus. Multiplicando a distância entre as cidades por 50, ele obteve uma estimativa precisa da circunferência da Terra.



ARISTARCO E AS DISTÂNCIAS LUNARES E SOLARES (c. 270 a.C.)



Aristarco de Samos deu o próximo passo crucial ao tentar medir as distâncias à Lua e ao Sol. Sua abordagem envolveu observações cuidadosas durante os eclipses lunares e as fases da Lua.


Durante um eclipse lunar, a sombra da Terra na Lua revelou informações sobre o tamanho relativo dos dois corpos. Aristarco também observou que, durante uma meia-lua, quando exatamente metade da Lua está iluminada, forma-se um triângulo retângulo entre a Terra, a Lua e o Sol. Medindo o ângulo entre a direção da Lua e do Sol nesse momento, ele poderia, assim, calcular a proporção das distâncias.


Embora seus cálculos sofressem de imprecisões devido às limitações da tecnologia de medição de tempo da época, visto que estimou uma discrepância de seis horas entre a meia-lua e o ponto médio do ciclo lunar, quando o valor real é de apenas 18 minutos, Aristarco estabeleceu o método fundamental: usando triangulação e geometria para medir distâncias cósmicas.


JOHANNES KEPLER E AS ÓRBITAS PLANETÁRIAS (séc. XVII)


Um salto dramático na escada de distâncias ocorreu com Johannes Kepler. Usando dados meticulosamente coletados por Tycho Brahe ao longo de cerca de 17 anos observando Marte, Kepler teve um insight fundamental, que foi usar a periodicidade conhecida de Marte (687 dias para uma órbita ao redor do Sol) para criar pequenas partes da órbita marciana.

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Observando Marte em intervalos de 687 dias, Kepler sabia que Marte estaria na mesma posição em sua órbita, embora a Terra estivesse em posições diferentes. Isso permitiu uma forma sofisticada de triangulação que revelou não apenas a forma da órbita de Marte, mas também a escala do sistema solar em termos de unidades astronômicas (UA), definidas como a distância média da Terra ao Sol.


O TRÂNSITO DE VÊNUS E A VELOCIDADE DA LUZ

Por muito tempo, os astrônomos conheciam as proporções relativas das distâncias no sistema solar, mas não seus valores absolutos. Com isso, procurou-se melhor observar as distâncias entre mais planetas para estabelecer uma proporção, e assim, uma escala entre eles.


Quando Vênus passa diretamente entre a Terra e o Sol, observadores em diferentes localizações na Terra veem o planeta cruzar o disco solar em momentos ligeiramente diferentes devido à paralaxe. O Capitão James Cook liderou uma expedição à Tahiti em 1769 para observar esse fenômeno, e a combinação de dados de múltiplas expedições permitiu calcular a UA com precisão de cerca de 2,3% dos valores modernos.


Ole Rømer, no século XVII, observou que os trânsitos da lua Io de Júpiter apareciam "adiantados" quando Júpiter estava em oposição (oposto ao Sol no céu da Terra) e "atrasados" quando em conjunção. Essa diferença de cerca de 16 minutos ocorria porque a luz precisava viajar um diâmetro adicional da órbita terrestre. Isso forneceu a primeira medição da velocidade da luz e, combinada com conhecimento melhorado da UA, estabeleceu escalas absolutas para o sistema solar.


FRIEDRICH BESSEL E 61 CYGNI (1838)


O próximo degrau da escala envolveu medir distâncias até as estrelas mais próximas. O princípio da paralaxe estelar é simples: conforme a Terra orbita o Sol, estrelas próximas parecem se mover ligeiramente contra o pano de fundo de estrelas mais distantes.


Friedrich Bessel foi o primeiro a medir com sucesso esse minúsculo deslocamento angular para a estrela 61 Cygni em 1838. O ângulo era extraordinariamente pequeno, de frações de segundo de arco, demonstrando por que essa medição havia permanecido impossível por tanto tempo. Essa técnica, usando a órbita da Terra como linha de base, funciona para estrelas a até cerca de 100 mil anos-luz de distância.



HENRIETTA LEAVITT E A LEI PERÍODO-LUMINOSIDADE (1908)


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Henrietta Swan Leavitt fez uma descoberta revolucionária enquanto estudava estrelas variáveis, as Cefeidas, na Pequena Nuvem de Magalhães. Ela descobriu uma relação precisa entre o período de pulsação dessas estrelas e sua luminosidade absoluta: Cefeidas mais brilhantes pulsam mais lentamente.


Essa descoberta foi transformadora porque as Cefeidas são muito mais brilhantes que estrelas normais, tornando-as visíveis a distâncias muito maiores. Uma vez que a lei foi calibrada usando Cefeidas cuja distância poderia ser medida por outros métodos, qualquer Cefeida no universo poderia ter sua distância determinada simplesmente medindo seu período de pulsação e brilho aparente.


EDWIN HUBBLE E A LEI DO DESVIO PARA O VERMELHO (1929)


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Edwin Hubble, baseando-se no trabalho anterior de Vesto Slipher sobre desvios para o vermelho, também usou Cefeidas para medir distâncias a galáxias e comparou essas distâncias com as velocidades de recessão das galáxias, isto é, medidas do desvio para o vermelho de suas linhas espectrais. Ele descobriu uma relação notavelmente linear: galáxias mais distantes estavam se afastando mais rapidamente.


Esta descoberta revelou que o universo está em expansão e forneceu um novo método para estimar distâncias: quanto maior o desvio para o vermelho, mais distante o objeto. Com calibração cuidadosa usando outras técnicas, a lei de Hubble permite estimar distâncias até os confins do universo observável, que possui cerca de 93 bilhões de anos-luz de raio.


CONCLUSÃO

A construção da escada de distâncias cósmicas exemplifica o melhor da ciência humana: a capacidade de transformar observações simples em conhecimento profundo através do pensamento rigoroso e da colaboração entre gerações. Cada cientista mencionado neste artigo, de Eratóstenes a Hubble, de Aristarco a Leavitt, contribuiu com uma peça essencial deste quebra-cabeça cósmico, mesmo quando enfrentavam limitações tecnológicas que hoje parecem insuperáveis. O que torna essa história particularmente fascinante é sua natureza incremental e interdependente. Kepler não poderia ter mapeado as órbitas planetárias sem os dados de Brahe; Hubble não teria descoberto a expansão do universo sem a lei período-luminosidade de Leavitt; e nenhuma dessas conquistas seria possível sem as medições fundamentais da Terra e do sistema solar interior realizadas pelos gregos antigos. Cada degrau da escada sustenta os seguintes, e a falha de qualquer um deles comprometeria toda a estrutura.


Além disso, a escada de distâncias nos ensina uma lição importante sobre a natureza da ciência: ela nunca está verdadeiramente "completa". A tensão de Hubble que observamos hoje, a desconcertante discrepância de 10% entre diferentes métodos de medição, não é um fracasso da ciência, mas sim um lembrete de que sempre há mais a descobrir. Essas inconsistências frequentemente apontam para novas físicas ou fenômenos que ainda não compreendemos, abrindo portas para futuras revoluções científicas. A ciência se desenvolve por meio dessas cadeias de raciocínio, que se estendem por mais de dois milênios. Sua história é uma de engenhosidade persistente, observação cuidadosa e raciocínio matemático rigoroso.


Finalmente, a escada de distâncias cósmicas nos oferece uma perspectiva humilde sobre nosso lugar no universo. Somos uma espécie confinada a um pequeno planeta rochoso, orbitando uma estrela comum em uma galáxia entre bilhões. No entanto, através da observação cuidadosa, do pensamento criativo e da perseverança, conseguimos mapear as distâncias desde nosso quintal planetário até as fronteiras do universo observável. A escada de distâncias cósmicas continua sendo refinada e expandida, com novas tecnologias, como interferômetros de ondas gravitacionais mais sensíveis e telescópios espaciais de próxima geração, prometendo resolver mistérios atuais e, inevitavelmente, revelar outros novos mais.


FONTES

[1]. SANDERSON, Grant. Terence Tao on the cosmic distance ladder. YouTube, 2025. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YdOXS_9_P4U>. Acesso em: 17 nov. 2025.


[2]. SANDERSON, Grant. Terence Tao continuing history’s cleverest cosmological measurements. YouTube, 2025. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hFMaT9oRbs4>. Acesso em: 17 nov. 2025.


[3]. Cosmic distance ladder. Em: Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2025. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Cosmic_distance_ladder>. Acesso em: 18 nov. 2025.


FONTES - IMAGENS


[1]. Disponível no link: https://gaiaciencia.com.br/a-escada-da-distancia-cosmica-como-medimos-um-universo-infinito-espaco--fisica. Acesso em 18 nov. 2025. [


2]. Disponível no link: https://www.preparaenem.com/fisica/a-terceira-lei-kepler-velocidade-orbital.htm. Acesso em 18 nov. 2025.


[3]. Disponível no link: https://en.wikipedia.org/wiki/Cosmic_distance_ladder. Acesso em 18 nov. 2025.


[4]. Disponível no link: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_de_dist%C3%A2ncias_c%C3%B3smicas. Acesso em 18 nov. 2025.












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