Do processamento de dados às IAs: como funcionam os LLMs
- Guilherme Armond e João Álvaro - 2ºMT
- 31 de out.
- 8 min de leitura
Desvendando os “Modelos de Linguagem de Grande Escala”
Nos últimos anos, os Modelos de Linguagem de Grande Escala (Large Language Models ou LLMs) emergiram como uma das tecnologias mais transformadoras da inteligência artificial. Sistemas como o ChatGPT, Claude e Gemini têm se popularizado e revolucionado a forma com que analisamos dados e produzimos textos e imagens. Mas o que exatamente são esses modelos?

Em termos simples, um LLM é um sistema de inteligência artificial, treinado em vastas quantidades de texto para compreender e gerar linguagem humana de forma coerente e contextualmente apropriada. São sistemas generativos, que criam um texto a partir de enormes quantidades de dados, inseridos antes de serem refinados para tarefas específicas. Também se baseiam na modelagem de transformers, que permitem que o LLM interprete todo o texto de uma vez, permitindo uma melhor compreensão do contexto e relações entre palavras distantes no texto, gerando respostas mais coerentes e apropriadas em relação aos modelos que interpretam uma palavra por vez.
O que aumenta a escala desse modelo não é somente sua capacidade de processar texto, mas a grande escala de sua construção. O GPT-3, por exemplo, possui 175 bilhões de parâmetros, valores numéricos ajustáveis que determinam o comportamento do modelo. Em comparação, um ser humano levaria mais de 2.600 anos lendo sem parar para processar a quantidade de texto usada no treinamento do modelo, tendo outros posteriores sido treinados com quantidades ainda maiores de dados.
COMO FUNCIONAM
De texto aos números: o processo de “embedding”
O primeiro desafio que um LLM enfrenta é que computadores não compreendem palavras, apenas números. Portanto, cada palavra, chamada de "token" (que pode ser uma palavra completa, parte de palavra ou pontuação) deve ser convertida em uma representação numérica, chamada "embedding".

Um embedding não é apenas um número, mas uma matriz, geralmente muito longa. Cada token é representado por uma matriz 12.288x1, as quais são chamadas de vetores com um número respectivo de dimensões. Embora seja impossível visualizar 12.288 dimensões, temos que cada dimensão captura algum aspecto do significado da palavra. Palavras semanticamente similares terão embeddings que "apontam" em direções similares no espaço de interpretação do LLM. A matriz de embedding, que determina como as palavras são representadas numericamente, constitui o primeiro conjunto de pesos ajustáveis do modelo.
Contexto e “atenção”: o início da interpretação
Após a conversão em embeddings, o texto flui através de múltiplos blocos de processamento. Chamado de "atenção" (attention), este mecanismo permite que cada palavra "preste atenção", isto é, esteja atenta e relacionada a outras palavras no texto, para que refine seu significado baseado no contexto.
Considere a frase: "O pequeno animal saltou sobre a cerca." Inicialmente, o embedding de "animal" representa apenas uma ideia genérica de animal. Através do mecanismo de atenção, este embedding é modificado para incorporar informações de "pequeno", resultando em uma representação mais específica de um "animal pequeno" no espaço de interpretação.

O mecanismo de atenção funciona através de três componentes principais, cada um implementado como uma matriz de multiplicação: chaves (keys) são geradas por tokens, representando o conceito que o token representa; consultas (queries) atribuem ao token valores para que este busque se associar; valores (values): o que um token está comunicando após sua associação. Usando essas alterações, o padrão de atenção é calculado comparando cada consulta com todas as chaves, determinando quais tokens devem influenciar quais outros. Com isso, o uso dos transformers permite que vários mecanismos de atenção sejam aplicados em paralelo, identificando diferentes tipos de relações entre os tokens para refinar a representação das palavras analisadas e geradas
Mascaramento e profundidade: refinando o contexto
A partir do embedding, os LLMs aplicam o “mascaramento", impedindo que tokens posteriores não influenciem tokens anteriores. Isso garante que o modelo aprenda a prever a próxima palavra baseando-se apenas no que vem antes, essencial tanto durante o treinamento quanto o uso. Por isso, existem especificações no tamanho do contexto analisado, para evitar que o LLM extrapole o texto aplicado.

Entre os blocos de atenção, os transformers incluem também redes neurais feed-forward, chamadas de preceptoras multicamadas. Estas redes oferecem capacidade adicional para armazenar padrões sobre linguagem aprendidos durante o treinamento. De fato, apesar da “atenção” ser a base do processo de compreensão, a maioria dos parâmetros reside nestas redes feed-forward. À medida que os embeddings fluem através destas camadas, eles são progressivamente enriquecidos, incorporando informações contextuais cada vez mais abstratas e de alto nível, desde descritores gramaticais até sentimento, tom e conceitos abstratos. Ao final de todo este processamento, o modelo precisa converter o último embedding refinado em uma previsão sobre qual token virá a seguir. Isto é feito através de uma camada final que transforma o embedding em uma distribuição de probabilidade sobre todos os tokens possíveis no vocabulário.
Treinamento: ajustando os parâmetros finais
Por último, definem-se os parâmetros que permitirão a produção do texto. Ao serem bilhões e bilhões de parâmetros, estes começam como valores aleatórios, fazendo o modelo inicialmente produzir apenas texto sem sentido. Para refinar os dados, é realizado um treinamento, em que, para cada pedaço de texto de exemplo, o modelo tenta prever a próxima palavra, compara sua predição com a palavra real, e então ajusta ligeiramente seus parâmetros para fazer predições melhores no futuro. Este processo utiliza um algoritmo chamado "retropropagação" (backpropagation), que calcula como cada parâmetro individual deveria ser ajustado. Ao repetir a análise dessas previsões e parâmetros ajustados, o processo gradualmente "ensina" o modelo padrões linguísticos, conhecimento factual e até capacidades de “raciocínio”.

USOS E APLICAÇÕES
No ambiente corporativo, os LLMs têm potencial de revolucionar a produtividade, permitindo o desenvolvimento de software através da integração de assistentes de código baseados em IA. Na educação, os LLMs possibilitam experiências de aprendizado personalizadas. Sistemas baseados nesta tecnologia podem adaptar caminhos acadêmicos individuais, corrigir automaticamente trabalhos e fornecer feedback detalhado aos estudantes, identificando áreas específicas que necessitam de melhorias.

Já no setor de saúde, os LLMs demonstram potencial significativo na análise de notas clínicas, resumo de informações médicas e suporte à tomada de decisões, mas sempre sob supervisão de médicos reais e especialistas nas áreas de atuação dos LLMs. Também, no varejo e comércio digital, chatbots baseados em LLMs transformam a experiência do cliente através de recomendações personalizadas, criação de descrições de produtos envolventes e suporte ao cliente 24 horas. Com as LLMs, empresas usam dados customizados para identificar tendências e padrões em vastas quantidades de informações, transformando horas de gravações de reuniões em textos adaptáveis e analisando milhares de ligações para identificar padrões de sucesso em vendas.
CONSEQUÊNCIAS: IMPACTOS NEGATIVOS E POSITIVOS
Impactos Positivos
Democratização do conhecimento: os LLMs têm o potencial de democratizar o acesso à informação ao fornecer e adaptar recursos educacionais a múltiplos idiomas, através de interfaces amigáveis. Para comunidades com acesso limitado a especialistas, essas ferramentas podem servir como tutores virtuais, assistentes de pesquisa e fontes de informação.
Avanços científicos e inovação: A capacidade das IAs de gerar novas interpretações e analisar mais eficientemente os dados que lhe são apresentados permite que novos padrões, processos e conceitos sejam encontrados na ciência. Na Universidade de Washington, por exemplo, o laboratório de David Baker utilizou IA para projetar dez milhões de proteínas totalmente novas que não ocorrem na natureza, levando a aproximadamente 100 patentes e à fundação de mais de 20 empresas de biotecnologia, contribuindo para que Baker recebesse o Prêmio Nobel de Química de 2024.
Impactos Negativos
“Alucinações”: uma das limitações mais sérias dos LLMs é sua tendência a "alucinar", fenômeno descrito pela geração de informações que parecem plausíveis na superfície, mas são completamente fabricadas pela IA. Estas surgem de várias causas técnicas: imperfeições nos dados de treinamento, incerteza inerente aos modelos probabilísticos e ausência de uma "verdade fundamental" definitiva na geração de texto, e levam à produção de informações errôneas pelo LLM.

Manipulação de dados: os LLMs demonstram uma tendência a concordar com usuários e repetir seus erros para maximizar satisfação, mesmo quando isto significa fornecer informações incorretas. Este comportamento é um efeito colateral de treinamento em dados que incluem textos onde interlocutores humanos buscam atender expectativas mútuas, fazendo com que surja um viés nas produções de IA, seja pelo comando dado a ela ou pelos dados que constituem seu banco de informações.
Questões de privacidade e propriedade intelectual: o treinamento de LLMs em vastas quantidades de dados da internet levanta questões complexas sobre privacidade, consentimento e propriedade intelectual. Dados pessoais podem inadvertidamente ser memorizados e reproduzidos, e obras protegidas por direitos autorais podem ser utilizadas sem autorização ou compensação adequada, originando um debate sobre o roubo de propriedade no treinamento das IAs.
Impactos ambientais: o treinamento e operação de LLMs consomem quantidades massivas de energia elétrica e recursos computacionais, levantando preocupações sobre sustentabilidade ambiental em uma era de crise climática. O custo ambiental da inteligência artificial é frequentemente negligenciado nas discussões sobre seus benefícios.
CONCLUSÃO
Os Modelos de Linguagem de Grande Escala representam um dos avanços tecnológicos mais significativos da década, fundamentalmente alterando nossa relação com máquinas e informação. Através de mecanismos sofisticados de interpretação e refinamento de dados, esses sistemas aprendem e reproduzem padrões complexos da linguagem humana. Desde um possível aumento de produtividade no desenvolvimento de software até a tutoria educacional personalizada, passando por avanços em descoberta científica e assistência médica, os LLMs indicam progresso na eficientização de certos processos. Contudo, os desafios são igualmente significativos. Erros, vieses sistemáticos, questões de privacidade e propriedade intelectual, além de impactos ambientais, apresentam riscos reais que não podem ser ignorados.
O futuro dos LLMs dependerá de nossa capacidade coletiva de maximizar seus benefícios enquanto mitigamos ativamente seus riscos. Isto requer esforços coordenados em múltiplas frentes: desenvolvimento de métricas robustas de avaliação de viés, criação de frameworks éticos e legais, investimento em modelos verdadeiramente abertos e acessíveis, e manutenção de supervisão humana crítica em aplicações de alto risco. Os LLMs são ferramentas poderosas cujo valor será determinado não pela tecnologia em si, mas pela sabedoria com a qual a implantamos. O desafio que enfrentamos não é técnico, mas profundamente humano: como podemos usar esta tecnologia notável para promover florescimento humano, equidade e conhecimento, ao invés de desinformação, desigualdade e dano.
FONTES
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Imagens:
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