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O último cacique

abr 9

3 min de leitura

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As montanhas de Canaima se erguiam silenciosamente sobre a floresta, cercando o vilarejo onde Rosa crescera. Ela sempre ouvia histórias sobre seus antepassados, os Pemon, que protegiam aquelas terras sagradas desde tempos imemoriais. O avô de Rosa, o último cacique da aldeia, era uma dessas figuras que pareciam maiores que a vida. Ele falava com as árvores, lia as estrelas e conhecia cada rio e caverna da região.


Mas Rosa cresceu em uma Venezuela que se transformava rapidamente. A vida na aldeia, antes tranquila e em harmonia com a natureza, foi se tornando difícil à medida que a crise política e econômica apertava. Muitas famílias migraram para a capital ou até para fora do país, buscando uma vida melhor. Mas Rosa não conseguia abandonar as montanhas, nem seu avô. Ele acreditava que, enquanto os Pemon estivessem ali, protegendo a floresta, os espíritos dos antigos continuariam vivos, e tudo que ela mais queria era seguir sentindo aquela presença.


Numa tarde abafada, Rosa ouviu uma discussão na praça central da aldeia. Homens de terno, com pranchetas e mapas, discutiam com os mais velhos da comunidade. Eram funcionários do governo e uma empresa estrangeira de mineração. Queriam explorar a área em busca de ouro, prometendo desenvolvimento, empregos e prosperidade. Mas os anciãos, liderados pelo avô de Rosa, resistiam. Para eles, aquela terra não tinha preço.


Rosa ficou na sombra de uma árvore, observando a cena. Ela conhecia bem aquele discurso: progresso, riqueza, modernidade. Mas também sabia o que aconteceria com as montanhas se permitissem a entrada das máquinas. O rio que cortava a aldeia ficaria poluído, as árvores derrubadas, e os espíritos dos seus ancestrais seriam expulsos, como em tantas outras regiões da Amazônia venezuelana.


Naquela noite, sentada ao lado do avô, Rosa perguntou o que eles fariam.

— Lutar — respondeu ele, com a tranquilidade de quem já havia enfrentado batalhas maiores.

Mas o olhar dele estava cansado e amedrontado, mais do que ela já havia visto. Sabia que a luta seria desigual.


Os dias seguintes trouxeram mais tensão. A aldeia se dividiu. Alguns jovens, desesperados pela falta de oportunidades, achavam que aceitar a proposta era a única solução. Outros, como Rosa, sentiam que abrir as portas para a mineração seria destruir suas raízes.


Certa madrugada, Rosa acordou com um barulho estranho. Saindo de sua cabana, viu uma luz distante, na direção das montanhas. Algo estava errado. Correu até o rio, onde encontrou seu avô, sozinho, encarando a água turva que refletia o céu estrelado.


— Estão começando — disse ele, apontando para o brilho nas colinas.

Rosa sentiu o coração apertar. Era ouro que buscavam, mas seria sangue que encontrariam. Ela sabia o que significava aquele clarão: as máquinas já haviam começado a perfurar o solo sagrado.

Naquela noite, algo mudou em Rosa. Ela não podia mais esperar que os mais velhos resolvessem o problema. Com o apoio de alguns jovens da aldeia, decidiu agir. Subiriam a montanha antes que o estrago fosse irreversível.


Juntaram lanças e arcos, como seus antepassados, mas também celulares, câmeras e drones, instrumentos da nova geração. Queriam resistir, mas também expor a destruição ao mundo. Se o governo não os ouvia, talvez o mundo lá fora ouvisse.


A subida foi difícil, e o som das máquinas ficava mais alto a cada passo. Quando chegaram ao topo, viram as enormes escavadeiras já abrindo feridas profundas na terra sagrada. Homens armados vigiavam o local, mas Yara não hesitou. Com uma determinação que surpreendeu até a si mesma, ela e os outros correram em direção às máquinas, lançando pedras e gritando.


As câmeras capturaram tudo: o confronto, os gritos, as ameaças dos seguranças da empresa. Sabiam que não podiam vencer fisicamente, mas queriam que o mundo visse o que estava acontecendo. A luta não era apenas deles, era da terra, dos espíritos, das gerações futuras.


Ao voltar para a aldeia, Rosa foi recebida como uma heroína por alguns e como uma tola por outros. Mas algo havia mudado. A aldeia, antes dividida, começava a se unir novamente. As imagens que gravaram foram compartilhadas pela internet, chegando a jornalistas e ativistas. A pressão internacional aumentou, e, temporariamente, os trabalhos da mineração foram suspensos.


Sentada com o avô à beira do rio, Rosa sentiu o peso da responsabilidade. Sabia que a batalha estava longe de acabar, mas também sabia que agora não estava mais sozinha. Os espíritos antigos continuavam ao lado deles, e a força dos Pemon estava viva.


— Você sempre foi o futuro — disse o avô, com um sorriso fraco, apertando a mão de Rosa.

Yara olhou para as montanhas, ainda intocadas ao longe, e jurou que faria de tudo para mantê-las assim. A floresta, os rios, os espíritos de seus ancestrais — ela os protegeria, custasse o que custasse.

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