DUAS REALIDADES, UM MUNDO
- Clara Lopes e Laura Silva - MC
- 26 de nov.
- 2 min de leitura
E do outro lado da ponte, eu via construções tão altas que pareciam alcançar o céu, tão
limpas e cristalinas que pareciam refletir o sol. Era possível observar o funcionamento do
lado de lá, de como as pessoas iam para os seus trabalhos em seus transportes particulares, de como se vestiam exageradamente bem e como voltavam para suas casas prontos para dormir em uma cama boa e quente após um bom banho e uma boa comida.
Enquanto isso, do lado de cá, vivíamos no luxo quando tínhamos algo que não fossem
restos para comer. Muitas vezes passávamos as noites no escuro, pois a luz acabava e não
tinha quem consertasse e nem dinheiro para pagar. Uma boa noite de sono era uma
experiência desconhecida, assim como a sensação de pele limpa, de tempo livre e de
escolhas.
As pessoas do lado de lá viviam cercadas de possibilidades - qual roupa vou vestir para o
trabalho, qual sobremesa vou comer após o jantar, qual vai ser o programa para o final de
semana. Eram todas indecisas e, mesmo tendo todas as oportunidades e tudo do bom e do
melhor, viviam reclamando. Ah, por que ela não queria esse doce, porque ele não queria
esse sapato, porque ela havia solicitado um Uber para cinco minutos atrás, porque na loja
não tinha a marca de smartphone que ele queria.
Mas do lado de cá, reclamar não traz o bom da vida nem alegria para corações há muito
anestesiados pela miséria. A verdade é que, ao olhar para lá, só posso sentir o desejo,
talvez a inveja, e mesmo a carência por ter sido esquecida aqui. Será que o povo de lá não
pensava, ao menos cogitava, oferecer para nós as coisas pelas quais eles tanto reclamam?
Será que éramos tão repulsivos, tão insignificantes, ao ponto de nos ignorarem com tanta indiferença?
E diante da ponte, eu me perguntava, porque escolherem tal símbolo de união se ela não
representava nada além de divisão? Ela estabelecia a fronteira entre o povo de lá e o povo de cá, retratando perfeitamente a existência de duas realidades em um mundo. E, ao contemplar a cidade se preparando para dormir, eu refletia se era uma questão de injustiça, sorte ou azar, mérito, destino ou vontade de Deus Pai que algumas pessoas passassem necessidade enquanto outras desfrutavam do melhor que a vida tem a oferecer.
“Deus sempre deixa uma esperança”, era o que minha mãe, já morta, dizia. Nesse caso, a única esperança que eu tinha era que, um dia, o sofrimento iria acabar para sempre. E
nesse lugar que eles chamavam de paraíso, não haveria fome nem a separação entre um
povo de cá e um povo de lá. Haveria um só povo, e, por um só momento, foi como se tal
sonho tivesse sido concretizado… Até que eu abri os olhos e percebi que já era hora de
começar a trabalhar..





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