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Arma invisível: como a criptografia e a matemática derrotaram o Nazismo

  • Ana Clara de Oliveira e Ana Laura MT
  • 3 de out.
  • 4 min de leitura

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Durante a Segunda Guerra Mundial, a matemática foi decisiva para a vitória dos Aliados contra a Alemanha nazista. Estima-se que o trabalho de decifrar as mensagens inimigas tenha encurtado a guerra em pelo menos dois anos, salvando milhões de vidas. No centro dessa batalha silenciosa estava a máquina Enigma e, sobretudo, o trabalho de Alan Turing e sua equipe em Bletchley Park.


A Enigma foi inventada em 1918 para proteger mensagens comerciais, mas logo ganhou versões militares. À primeira vista, parecia uma máquina de escrever comum, mas seu funcionamento era muito mais sofisticado. Ela possuía um teclado com 26 letras, um painel de luzes correspondentes ao alfabeto e discos rotativos, chamados rotores. Cada vez que uma letra era pressionada, um impulso elétrico percorria os rotores e a transformava em outra. Assim, uma simples palavra como ABELHA poderia se transformar em XTGVUL. Para decifrar a mensagem, a máquina receptora precisava estar configurada exatamente da mesma forma que a de origem. A complexidade do sistema estava na quantidade de possibilidades. Com três rotores, havia 26 × 26 × 26 = 17.576 combinações diferentes. Além disso, a ordem dos rotores podia ser trocada, e o painel de cabos (o plugboard) aumentava ainda mais as possibilidades. Quando os militares alemães introduziram um quarto rotor escolhido de um conjunto de oito, o número de combinações chegou a trilhões, levando-os a acreditar que a Enigma era inviolável.


Esse processo de transformar mensagens em símbolos indecifráveis faz parte da criptografia, ciência que estuda formas de codificar informações. A palavra vem do grego kriptos (oculto) e graphos (escrita). Ao longo da história, a criptografia foi usada por diversas civilizações, desde as cifras simples da Antiguidade até a criptoanálise desenvolvida por estudiosos árabes, como Al-Kindī, que no século IX utilizou a análise de frequência para quebrar códigos. Durante a Segunda Guerra Mundial, a criptografia atingiu um dos pontos mais altos de sua relevância, tornando-se uma arma tão poderosa quanto tanques e aviões.


Os primeiros a enfrentar o desafio da Enigma foram os poloneses, liderados por Marian Rejewski. Com base em matemática e estatística, projetaram a Bomba kryptologiczna, uma máquina que testava combinações possíveis de rotores para decifrar mensagens. Entre 1933 e 1939, conseguiram ler cerca de 100 mil mensagens, mas diante da invasão da Polônia e das melhorias da Enigma, destruíram suas máquinas para não entregá-las aos nazistas. Antes disso, compartilharam seus métodos com britânicos e franceses, o que foi crucial para o avanço da matemática na guerra.


Em 1939, no início da guerra, o governo britânico criou em Bletchley Park um centro de inteligência dedicado a decifrar a Enigma. Ali, sob a liderança de Alan Turing, nasceu uma nova era na ciência. Turing percebeu que apenas uma máquina poderia vencer outra, assim, projetou a Bombe britânica, muito mais avançada que a polonesa. Essa máquina, com quase dois metros de altura, simulava o funcionamento de várias Enigmas ao mesmo tempo, realizando milhares de testes por minuto. Com base em hipóteses e padrões das mensagens alemãs, a Bombe eliminava combinações impossíveis e reduzia drasticamente o tempo necessário para encontrar a chave correta. 


Um golpe de sorte favoreceu os britânicos em maio de 1941, a Royal Navy capturou o submarino U-110, que carregava uma Enigma e um livro de códigos. Os alemães acreditaram que o navio havia afundado e continuaram usando as mesmas configurações.


Isso permitiu que os Aliados lessem mensagens quase em tempo real, prevendo ataques de submarinos, redirecionando comboios e preparando emboscadas. Esse trabalho foi parte do Ultra, serviço de inteligência britânico que reunia as mensagens decifradas. Seu impacto foi gigantesco: contribuiu para vitórias no norte da África, na Grécia, na Normandia e, principalmente, para derrotar a ameaça submarina no Atlântico. Estima-se que sem o Ultra, a guerra poderia ter durado muito mais tempo.


No auge, Bletchley Park  reunia cerca de 10 mil pessoas, sendo 7.500 mulheres formadas em áreas como matemática, física e engenharia. Entre elas estava Joan Clarke, colaboradora próxima de Turing. A participação feminina foi decisiva e representou uma mudança social, já que, com os homens no front, as mulheres ocuparam funções antes inacessíveis.


O sucesso da criptoanálise mostrou a força da matemática aplicada à guerra. Patrick Blackett desenvolveu técnicas de pesquisa operacional, aplicando estatística para melhorar a eficiência de radares e estratégias militares. Egon Orowan, por sua vez, solucionou falhas nos navios Liberty, garantindo o transporte seguro de suprimentos. E Tommy Flowers, construiu o Colossus, primeiro computador eletrônico programável, projetado para decifrar os códigos da máquina Lorenz, outro sistema usado pelos alemães. Alan Turing, entretanto, foi a figura central. Já em 1936, antes da guerra, ele havia teorizado a Máquina de Turing, um modelo lógico de computação capaz de manipular símbolos em uma fita infinita, seguindo regras pré-definidas. Esse conceito abstrato, tornou-se a base da ciência da computação e dos algoritmos modernos. Apesar de suas contribuições imensuráveis, Turing foi perseguido por sua homossexualidade em uma sociedade intolerante, condenado em 1952 por “ultraje aos bons costumes”, foi submetido à castração química e, dois anos depois, cometeu suicídio. Hoje, é reconhecido como herói de guerra e pai da computação.


A vitória sobre a Enigma representou mais que um triunfo militar, foi um marco científico e tecnológico que abriu caminho para os computadores modernos e demonstrou o poder da matemática em situações extremas. Da criptografia árabe medieval às máquinas eletromecânicas de Turing, a arte de esconder e revelar mensagens, moldou o destino de civilizações. Na Segunda Guerra, ela foi decisiva para derrotar o nazismo e inaugurou a era digital, na qual ainda hoje, a criptografia protege senhas, comunicações, transações e documentos em todo o mundo. Assim, a história da Enigma é também a história da matemática como arma invisível: silenciosa, lógica e implacável, capaz de mudar o destino da humanidade.


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