Estava no Chile, em 1973. O país todo estava em chamas. Gregório Afrontes acabava de ver seu pai arrancado de casa à força por um grupo de militares. Um deles, o com mais insígnias, gritava ordens para trancá-lo dentro de um caminhão o antes possível. Outro, alto, segurava sua mãe que, aos prantos, gritava e esperneava, aos prantos, em vão. Ele, ainda novo, não sabia o que estava acontecendo, nem que seria a última vez que veria seu pai. Meses depois, o país entraria em uma das mais profundas crises de sua história: o novo governo faria o desemprego aumentar mais e mais, a escassez e a fome eram parte do cotidiano do garoto, chegando a ponto dele e a mãe se mudarem para um apartamento cinza e mofado, muito diferente da grande e verde casa onde havia crescido. Certo dia, enquanto sua mãe o levava consigo para um de seus empregos, viu cartazes coloridos, e neles, um grande e sorridente puma, desenhado no estilo dos desenhos animados que assistia quando ainda tinha uma TV, e que dizia que, por 20 escudos, um circo no arredores da cidade iria apresentar um puma selvagem se apresentando, com comida incluída e tudo. Era uma oportunidade que ele não podia perder, mas sua mãe negou. Ignorando sua decisão, aproveitou que estava distraída para pegar umas moedas do saquinho que ela sempre carregava consigo e correu para ver a apresentação. O puma, pulava, dançava e fazia truques que ele sequer poderia imaginar que eram possíveis. Naquele momento sentiu, em um momento em que tudo estava errado, um brilho em seus olhos e a apresentação deixou uma impressão permanente na imaginação do pequeno garoto de uma forma que nada antes havia. Por anos, Gregório sonhava em recriar aquilo que tinha visto naquele dia de fascínio. Sem dúvida ele era muito inteligente, tinha um olho para os negócios, mas não era tão criativo. Inspirado por outros que também colocaram em prática a mesma ideia, criou um traje mal costurado, baseado no puma de tantos anos atrás, além de um novo personagem para acompanhá-lo, uma chinchila, ambos vestidos com uma gravata borboleta, “para efeitos de estilo”. Finalmente, apesar dos rudimentares trajes, ele podia levar para outras crianças diversão e entusiasmo da mesma forma que ele tinha se divertido e entusiasmado naqueles tempos sombrios da ditadura. Mas, quando outras pessoas viram o sucesso que ele teve, tudo mudou. Uma nova rede de lanchonetes, lançada pouco tempo depois do sucesso de Afrontes, usava o mesmo modelo de trajes e performances musicais que ele usava, com a exceção de que eles faziam melhor. Aquela rede conseguiu fazer justamente aquilo que ele tanto sonhava: quase que como mágica, faziam uso de esqueletos de arame, engrenagens e baterias para dar vida aos trajes inanimados de animais. Afrontes passou a admirar o engenheiro que elaborou as máquinas, Ernesto Herrera, mas considerava aqueles personagens paródias heréticas de suas criações, desenvolvendo um novo amargor, não conseguindo competir com o próspero rival, chegando cada vez mais perto da falência. No entanto, prestes a perder todo o lucro de sua vida, Herrera compra sua empresa, evitando sua dissolução. Afrontes considerou isso outra humilhação que não iria esquecer. Com a junção das duas empresas, significando a união das ideias de Afrontes com a robótica de Herrera, a recém-aberta “Cantina de Perico Pumández” prosperou a níveis que Gregório nunca teria imaginado, abrindo filiais de Antofagasta até Coyhaique. Misturando os trajes performáticos com os robôs, os lucros da nova empresa aumentaram cada vez mais, com a produção de bonecos, camisetas e souvenirs. Alguns personagens do elenco da empresa não prosperaram tanto, com aqueles reaproveitados do restaurante de Herrera sendo trocados por um culpeo e um condor novos, além de uma outra chinchila (pois a criada por Afrontes seria deixada de lado), que formariam os principais personagens da franquia. Mas o sucesso não seria suficiente para Afrontes. Ele queria inovar, expandir ainda mais seu sucesso, e, assim, teve uma ideia. Porque não tornar seus trajes híbridos, podendo serem usados tanto por pessoas como pelos esqueletos, e porque não aprimorar cada vez mais esses esqueletos? Movido pela ganância e pela inveja, Afrontes desenvolveu uma paixão cada vez maior por suas criações, mal sabendo que seu orgulho faria a tragédia se aproximar cada vez mais de sua vida. Os novos trajes “Trapamuelles”, ainda que inovadores, estavam em sua fase inicial de desenvolvimento, sendo usados somente na cantina central da capital, Santiago. Cada vez mais, Gregorio passava mais tempo no trabalho do que com sua família, negligenciando o cuidado de seus filhos para imergir ainda mais no trabalho que tanto amava. Mas, em meio ao descuido e desleixo que tinha por sua família, a desgraça entrou em sua vida para nunca mais sair. No dia do aniversário de seu filho, Afrontes estava tomando conta do garoto enquanto o restaurante era preparado para esse dia tão especial. No entanto, ele foi chamado para resolver um problema com a distribuidora, e acabou por deixar seu filho sozinho. Nisso, um dos novos esqueletos se aproximou da criança, que, curiosa, começou a explorar e mexer nos cabos do projeto. Alguns cabos foram arrancados, peças caíram e a máquina falhou. Poucos detalhes foram emitidos, o caso foi encoberto, mas somente se soube a data do enterro da criança. Afrontes estava arrasado. Novas políticas de segurança foram instaladas nos restaurantes, com a obrigatoriedade das crianças usarem pulseiras rastreadoras e a retirada dos trajes híbridos do funcionamento. Novamente, Gregório estava desolado, pois todo tempo que havia dedicado, em sua ambição, aqueles trajes, tinham ultimamente levado-o à tragédia. O homem que antes impunha sua vontade e sonhos sobre qualquer obstáculo que entrasse em seu caminho agora tinha se tornado uma pessoa vazia, somente preenchida pelo trabalho e pela bebida, frequentando mais e mais um bar que ficava próximo à onde havia enterrado seu filho. E foi nesse local que se lembrou de tudo que Herrera lhe havia feito sofrer: o plágio de sua ideia, a compra de sua franquia, o corte de seus personagens, os robôs, os malditos robôs que tinham levado a vida de seu filho. Ernesto Herrera tinha levado à morte de seu filho, e ele iria pagar. Era tarde, e o barman disse para Gregório ir para casa, mas era tarde demais. Bêbado e furioso, Afrontes correu até o restaurante atrás de Herrera. Chegando lá, encontrou a filha de Herrera esperando por ele fora do restaurante e então, ele teve uma ideia. Herrera tinha matado seu negócio. Herrera tinha matado seu filho. Talvez fosse hora de Afrontes mostrar para Ernesto o que era ter algo que você tanto ama arrancado de suas mãos tão repentinamente, tal como seu pai, seu filho e suas ideias lhe foram arrancadas. Ele faria Ernesto Herrera sentir a dor que ele sentiu em silêncio toda sua vida.