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“Adolescência”: o retrato das mídias na vida dos jovens

abr 23

5 min de leitura

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A minissérie inglesa “Adolescência”, lançada no dia 13 de março de 2025, se tornou uma febre mundial após sua estreia na Netflix, chegando ao top 10 da plataforma. Aclamada pela crítica e exaltada pelo público, a obra vai além dos típicos temas saturados sobre essa fase conturbada, os quais são estereotipados e resumidos na vida teen estadunidense. Dessa maneira, descartando os clichês, Jack Thorne e Stephen Graham (criadores da séries) destrincham um lado sombrio e cruel dos atuais adolescentes que, com o acesso à Internet, se tornaram suscetíveis aos mais diversos conteúdos midiáticos, sendo facilmente manipuláveis. Assim, nos é apresentado o enredo do Jamie Miller (Owen Cooper), um garoto de 13 anos que assassinou sua colega. Ao longo de 4 episódios, tentamos entender seus motivos e vemos as consequências geradas em sua vida e na de sua família.

 

   Termos técnicos

Toda a construção da série é feita em plano-sequência, ou seja, cada episódio de 1 hora foi gravado com um único take sem cortes. Toda a produção, especialmente a direção de fotografia, fez isso magistralmente e de maneira fantástica com uma surpreendente riqueza de detalhes simultâneos (inclusive disponibilizaram vídeos de como foi feito todo esse malabarismo). Porém, o mais impressionante é que essa tecnicidade se tornou um fator crucial no desenrolar da história, de modo que a gravação traz uma angústia imensa, sem nenhuma quebra ou cena intermediária para aliviar, estando a câmera sempre focada na tensão.

Não se pode deixar de ressaltar, também, o elenco fabuloso da série no qual todos os atores e atrizes impressionaram em seus papeis, dando destaque ao novato Owen Cooper de 15 anos. Stephen Graham (Eddie Miller, o pai), Erin Doherty (Briony Doherty, a psicóloga), Ashley Walters (Luke Bascombe, o detetive) e Christine Tremarco (Manda Miller, a mãe) entregaram uma excelente performance ao longo dos episódios.

 

   Episódio 1: O que você fez?

Na pacata cidade de Wakefield, às 6 horas da manhã, a polícia arromba e invade a casa de uma família tradicional inglesa para prender por assassinato o sujeito mais improvável de todos, o filho de 13 anos, Jamie Miller. Esse primeiro episódio, um pouco mais lento, mostra a burocracia policial e os primeiros passos da investigação, além de retratar muito bem o desespero dos pais e da irmã com a acusação repentina sobre um crime brutal. Ele edifica com chave de ouro a imagem de um Jamie criança, pequeno e indefeso que afirma veementemente, em meio ao choro, sua inocência, mesmo após a reunião com seu advogado e a pergunta franca de seu pai. O ápice é atingido durante o interrogatório, no qual é revelado o vídeo do garoto esfaqueando Katie, deixando seu pai desolado, demonstrando que ele acreditava e confiava em seu filho. A partir daí, entendemos que não há mistério sobre o criminoso, não existe nenhuma dúvida sobre quem matou Katie. Isso já está explícito, o que perdura a dúvida é o motivo de matar uma colega com a qual, aparentemente, mantinha uma relação amigável.

 

   Episódio 2: Mensagens codificadas e Bullying

Em busca de respostas e da arma usada no crime, os detetives investigam a escola de Jamie e se deparam com um completo caos. O lugar é um ambiente tóxico onde o bullying é normalizado, transformando o local em um completo zoológico onde todos berram e falam o que querem (tem um garotinho que é um próprio monstrinho) e que, sim, dá para sentir o cheiro descrito pela investigadora, de vômito e desespero. No fim, é o filho do próprio detetive Bascombe, Adam, que o ajuda a entender que, na realidade, Katie não era amigável com Jamie, muito pelo contrário. Ela liderava um cyberbullying no instagram do garoto por meio de emojis que eram “códigos digitais”, assim, basicamente ela estava xingando-o de “incel” (celibatários involuntários) e “redpill” (homens que defendem uma “masculinidade dominante”), sendo que não fazia parte dessas comunidade, constituindo uma mentira. E sim, esses adolescentes retratados têm uma visão bem deturpada sobre relações amorosas, tanto que acontece um diálogo particularmente cômico entre Adam e o detetive no qual o jovem fala “ela fazia isso porque ele era solteiro” e o seu pai retruca “mas todos são solteiros aos 13 anos”. Dessa forma, tendo entendido as motivações, os policiais tentam falar com um dos amigos de Jamie, Ryan, que foge, gerando uma cena de perseguição (um pouco estranha, pois a corrida deles foi um pouco contida por causa da câmera) e terminando com garoto admitindo ter emprestado a faca e sendo preso por ser cúmplice. Os momentos finais são lindíssimos com um plano aberto no alto, uma música depressiva e o Sr. Miller deixando flores no local da morte de Katie. No final, percebemos que Jamie vivia e convivia em um ambiente nada acolhedor, onde era impopular e odiado pelos próprios colegas.

 

   Episódio 3: Uma sessão de terapia

Sim, são 50 minutos da psicóloga conversando com Jamie  no episódio que pode ser descrito como primordial em todos os sentidos (para mim o melhor de todo o conjunto). A atuação do Owen Cooper nos momentos de ápice de raiva é brilhante, principalmente ao considerar que essa foi a primeira vez do ator em um estúdio de gravação. Não dá para falar muito sobre o diálogo entre os dois por ser extenso e complexo, passando por vários quesitos psicológicos da vida do adolescente, desde a família, amigos, relações até sobre seu autoentendimento. Basicamente esse episódio desconstrói a imagem de pureza e pequeneza do Jamie, mostrando que ele é um adolescente dissimulado, manipulador e consciente (chegando em certos momentos a parecer um pouco psicopata com aqueles sorrisinhos de lado), porém sedento por aprovação e aceitação de todos. Logo, a psicóloga que no início traz chocolate quente, termina com medo e ânsia do que ele revelou ser.

 

   Episódio 4: As consequências não acabam com a prisão

É um episódio voltado para a família, no qual eles tentam viver normalmente depois de tudo que passaram. No aniversário de 50 anos de Eddie, ele, sua esposa e sua filha, passam por diversas provocações referentes ao crime de Jamie, mostrando que mesmo não tendo participado ou realizado nada, eles sofrem as consequências diretamente em suas vidas, sendo praticamente castigados por um delito que não cometeram. Desse jeito, ao “conviver” no ciclo familiar dos três, são descartadas quaisquer hipóteses sobre pais violentos, alcoólatras ou de um péssimo relacionamento doméstico; Jamie foi criado por pessoas carinhosas, amorosas e presentes, portanto seu comportamento não é resultado de sua educação familiar, mas sim de um contato com um meio digital nocivo que não foi limitado, desenvolvendo uma mentalidade perigosa. Por fim, o adolescente liga para os pais da penitenciária afirmando que irá se declarar criminoso no julgamento que se aproxima, desencadeando a cena brutalmente triste da conversa e aceitação dos pais, que concluem que não foram os culpados de todo o ocorrido, apesar de que faltaram mais atitudes deles para que o garoto não se perdesse. Assim, a série termina com chave de ouro quando Eddie, visitando o quarto vazio do filho, chorando e segurando seu ursinho de pelúcia, diz “sinto muito, filho. Eu deveria ter feito melhor”.

 

   Conclusão

“Adolescência” não é só sobre um crime cometido por um menor de idade, é sobre como os novos adolescentes estão sendo moldados pelos conteúdos violentos, misóginos e nocivos, ocasionando em uma má formação ética e comportamental. Sem um vilão bem definido ou respostas simples, apresentando uma realidade desconfortável e profunda, a qual te faz pensar que poderia acontecer na sua família, a série mostra como as mídias sociais influenciam a sociedade e como o apoio familiar é um importante aliado para combater as sequelas perversas. Jamie é, sem dúvidas, o culpado e deve ser punido, pois nada justifica tamanha atrocidade cometida. Todavia, também deve ser considerado que ele foi exposto a um ambiente virtual tóxico com pensamentos retrógrados que o direcionaram a um caminho errado e sem volta.




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